O Tonto e os Bobos

                              Todo mundo deveria saber, bem decorada, uma poesia que lhe causasse arrepios. Um poema ou uma história que fizesse cócegas na alma. A gente deveria ter na parede da sala um quadro que nos deixasse inquietos, para que sempre, quando passássemos em frente a ele, o ritmo dos passos e do coração se alterasse. E trilha sonora, também, todo mundo deveria ter. Várias, diferentes, para cada tipo de movimento que a vida faça. Porque assim, com sons, palavras e tintas verdadeiramente belas, a vida fica melhor. Fica mais… Humana! Fica mais fácil de conviver. Mais gostoso de ‘viver com’.

O maior problema com essa correria em que vivemos está justamente no fato de que não nos atentamos mais para as coisas belas. Não temos tempo para arrepios e sustos. E de tanto não praticarmos estas emoções estamos virando robôs. Somos ótimos no que fazemos, perfeitos na sincronia mecânica de nossos trabalhos, iguais, em nossos ternos, gravatas e carros. Nas filas na hora do almoço e nas esteiras das academias, comemos e nos exercitamos como máquinas. Falamos igual e cada vez mais nos parecemos uns com os outros. Nada mais nos emociona. Nada nos assusta ou surpreende. Perdemos a espontaneidade e a nossa individualidade. E como tudo é igual, perdemos a capacidade de descobrir a beleza em nossa volta: “Queria fazer agora uma canção alegre / Brincando com palavras simples, boas de cantar / Luz de vela, rio, peixe, homem, pedra, mar / Sol, lua, vento, fogo, filho, pai e mãe, mulher” E esta maravilha que é  ‘Veveco, panelas e canelas’ do Beto Guedes vai se tornando aos nossos olhos cansados uma sequência de imagens pobres, distantes, sem sentido algum.  Parece que o mundo perdeu a graça. Ou fomos nós que perdemos?

Tenho pensado muito sobre a lógica do palhaço. Eles sempre buscam o caminho menos óbvio entre um ponto e outro. Permitem-se a surpresa. Alimentam-se dela. E para se surpreender é preciso estar atento. Portanto, nada escapa ao palhaço. Ele reage ao mundo e diferente de nós está integrado a tudo que o cerca. Eles não se esquecem que entre o início e o fim existe o meio. O caminho. E é este o que realmente importa! A lógica do palhaço está em ‘curtir o caminho’. Os palhaços aproveitam o melhor da vida. Não perdem nunca aquela curiosidade quase infantil de ver o mundo com ‘olhos novos’. E o olhar do palhaço carrega tanta emoção e sinceridade que chega a nos desconsertar. O ‘tonto’, o ‘idiota’, me deixa sempre pensando quem é o verdadeiro bobo neste jogo…  Por que eles sabem e talvez por isso eles não nos levem a sério.

                             É chegada a hora de realmente entender do que se trata esse negócio de estar vivo em cima desse planeta. Baixar a guarda e aproveitar a viagem. ‘À rua tambores e poetas!’, abrir caminhos para a gente passar. Para ver se lá na frente a gente olhe para trás e diga que valeu a pena a canseira, o trabalho, a estrada, a festa, enfim…

 

Daniel Bicalho

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