Nelson, o injustiçado. …ou de como o artista não tem valor…

Acho que todos os artistas brasileiros são injustiçados. A arte no nosso país não tem o valor que merece, não é bem vista e muito menos bem quista. Artista aqui é vagabundo. Não trabalha. Arte aqui não é trabalho. Hobby talvez, trabalho não. Obviamente não estou falando daquela feliz minoria que competentemente atua nas novelas televisivas ou se fazem ouvir nas rádios. Estou claramente me referindo aos outros noventa e nove por cento de artistas. Não é fácil ser artista em lugar nenhum do mundo. Esta profissão onde o dom e a genialidade devem se sobrepor à técnica é, por sua natureza, mais dada a incompreensão que ao sucesso e ao reconhecimento. Mas aqui padece ainda a classe com o preconceito e o desinteresse geral.

Considero Nelson Rodrigues o mais injustiçado dos escritores brasileiros. Tanto para o bem quanto para o mal o autor é incompreendido e reduzido pela crítica e pela história a um ser caricato e abjeto ou ao contrário elevado a condição de gênio intangível. Tanto um como o outro conceito afastam o autor de teatro, romance, crônicas e memórias do que realmente ele é e pior: afasta o público da obra do autor pernambucano. Impingiram uma névoa tão densa sobre o texto do Nelson que ficou difícil lê-lo além desse ‘filtro’. Nelson ganhou a vida como jornalista (afinal de contas artista tem que trabalhar) e o convívio com as redações dos jornais moldou o seu texto que tem sempre ares de realidade nua e crua, mas que nem por isso perde em emoção beleza e estilo. Suas crônicas futebolísticas estão entre os textos mais plásticos da nossa literatura. Muito do encantamento mágico que o futebol tem no Brasil é devido ao olhar poético do autor. Nelson gostava de dizer que escrevia como um menino que enxergava o mundo pelo buraco da fechadura. Desvelava ‘inocentemente’ assim, a vida como ela é. E a ideia de que no íntimo somos nós aquelas personagens terríveis obviamente não agrada a ninguém. Ninguém gosta de procurar no espelho o médico e só ver refletida a imagem do monstro. Conheci a obra de Nelson Rodrigues na faculdade de Direito. Me lembro de um professor explicando o princípio da ampla defesa e dizendo que a ocasião é que faz o ladrão. “Vocês não vêem os livros do Rodrigues?”, dizia jocoso. Dizem que uma vez o poeta Manuel Bandeira, fã confesso do autor perguntou-lhe porque ele não escrevia sobre pessoas normais ao que Nelson retrucou: “Mas meu querido Bandeira, eu escrevo sobre pessoas como você ou eu!”. Nelson, ‘ o anjo pornográfico’ era também um grande frasista.

Nelson Rodrigues não foi compreendido em vida e sua obra carece de estudos desimpedidos de preconceitos para ser compreendida hoje. Comparar o seu teatro ao de Shakespeare como se tem feito ultimamente é desvalorizar o seu lugar como o grande autor da dramaturgia brasileira. Shakespeare é Shakespeare. Nelson é Nelson. Mas relegá-lo a sarjeta como querem outros tampouco faz justiça ao homem que dedicou sua vida a escrever apaixonadamente sobre sua época, seus iguais e sobre o esporte nacional. E como escreveu o ‘anjo’, “sem paixão não se chupa nem um Chica-Bon”.

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