As revoluções ( nem tão ) silenciosas da arte…

Acabei de ler um livro bem interessante com depoimentos de várias personalidades brasileiras ligadas a música sobre qual foi o disco mais importante na sua vida. Gente de gerações e estilos diferentes mas com uma história em comum: em determinado momento uma canção fez tudo mudar, marcando um recomeço, uma nova fase, uma ‘mudança no curso da navegação’. O nome do livro é ‘Noite passada um disco salvou a minha vida’e achei fantástico conhecer mais algumas histórias sobre a força da arte na vida da gente. É sempre revelador ver o que pode acontecer quando somos tocados por essas criações maravilhosas. E não são poucas  as experiências que nos mostram o poder revolucionário da arte.

                             Li uma vez, no livro ‘Palavras musicais’ do jornalista mineiro Paulo Vilara,  sobre a parceria musical de Milton Nascimento e Marcio Borges, uma das que mais gosto na MPB.  Os dois já eram amigos, mas começaram a compor juntos após assistirem ao filme Jules et Jim, de Truffaut, uma história sobre amizade e amor contada com  beleza e sensibilidade raras. Assistiram a três sessões seguidas num cinema de BH, e depois, lápis e violão nas mãos escreveram parte da trilha sonora da vida de muita gente por aí… O Angeli, um dos mais importantes cartunistas do Brasil, também conta que se não fosse o riff de guitarra matador de ‘Satisfaction’, dos Rolling Stones, Rê Bordosa, Wood & Stock e tantos outros personagens da sua lavra não existiriam.  Mas há um caso        que eu vivi, e que acho bastante representativo desta força criadora (e destruidora, por que não?) da arte. Era 1992 e desde o início daquele ano pipocavam na imprensa nacional denúncias de corrupção contra o presidente da república. Como de costume, nada do que ficávamos sabendo nos comovia. Era como se toda aquela sujeira estivesse acontecendo em um outro país. Até que no dia 14 de junho estreou na TV a minissérie ‘Anos Rebeldes’, sobre a ditadura militar brasileira iniciada em 1964. Então as passeatas e movimentações contra o regime de exceção dos estudantes da década de 60, além das canções de Caetano, Gil, Chico e Vandré invadiram a vida dos estudantes da década de 90 e o Brasil foi tomado por jovens de ‘cara pintada’ pedindo o ‘impeachment’ do governo Collor de Melo. O último capítulo da série coincidiu com o último discurso do presidente numa sexta-feira, quando pediu que os brasileiros não o deixassem só e que saíssem no domingo próximo  vestidos de verde e amarelo em sinal de apoio ao seu governo. Aquele domingo ficou conhecido como ‘domingo negro’, e o resto é história…

                             Eis aí o perigo da arte! Quando você menos espera ela te pega e sacode e deixa de pernas para o ar tudo aquilo que você conhecia. Abre portas e janelas e te mostra uma outra realidade. Aí já não há mais o que fazer além de atravessar a porta e continuar. Até que outra canção, outro filme, outro livro venha de novo mudar o curso de tudo!

Daniel Bicalho

(publicado originalmente em 20 de março de 2011)

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